O diafragma metálico da comporta de ar se abriu como uma pupila em meio à escuridão, e a luz vermelha, sanguínea do sol de Taehstum inundou o compartimento, fazendo Nussaza Arieve semicerrar seus olhos, ofuscada. Logo que o dispositivo atingiu sua máxima abertura, a plataforma retrátil de observação começou a se desdobrar emitindo um zumbido baixo acompanhado por outros sons eletromecânicos sutis.
A segunda impressão sensorial que veio daquele mundo foi o... cheiro, na falta de palavra melhor. Foi um contraste tão grande com a atmosfera interior da Esfera que Nussaza exclamou quase por reflexo:
- O que há de errado com o ar deste planeta? Teoricamente estamos agora expostos ao ar livre, mas o tal "ar livre" lembra uma sala fechada cheia de gente. Bem, sem a parte dos odores de transpiração, mau hálito e afins, mas ainda assim é um ar... viciado.
Aparentemente despertando de uma de suas frequentes e prolongadas imersões na Nuvem, o Dr. Nobur Dehsmen voltou-se para Nussaza. Nobur era um homem de estatura mediana, robusto (mas esguio) e negro - muito negro aliás, com pele de um tom similar ao do carvão e o branco dos olhos visivelmente amarelado. Seu cronobiotipo parecia regulado para uma faixa não muito popular de talvez uns trinta e tantos anos de envelhecimento, incluindo o detalhe exótico de têmporas grisalhas se destacando em seu cabelo cortado rente. Nussaza considerava aquelas têmporas uma afetação estética meio cômica, mas curiosamente várias tripulantes femininas consideravam-nas "charmosas"; aliás, apesar do rosto um tanto comprido, quase cavalar, Nobur em geral era considerado bonito à sua maneira. De qualquer forma, aparentemente alheio ao olhar sempre observador de Nussaza, Nobur explicou em seu tom fleumático e professoral habitual:
- A atmosfera de Taehstum tem uma concentração de gás carbônico de quase dois por cento, Profa. Arieve. Embora isso esteja ainda confortavelmente abaixo dos limites de toxicidade, ainda assim é considerado desconfortável por boa parte das pessoas. Mas no fim das contas é uma característica positiva: o alto teor desse gás de estufa, aliado à relativamente elevada densidade da atmosfera como um todo, cria ao mesmo tempo um efeito de "cobertor" no Lado Escuro e uma super-rotação atmosférica bastante eficiente. Em outras palavras, a atmosfera inteira funciona como um razoavelmente eficiente sistema de troca de calor por circulação de ar entre os lados diurno e noturno. Como resultado, o Lado Escuro de Taehstum é bem menos frio do que se poderia imaginar para um hemisfério inteiro mantido numa noite eterna; de fato, em grande parte do Hemisfério das Trevas água líquida pode ser encontrada na superfície. Simetricamente, o Hemisfério Ensolarado não é tão horrivelmente quente assim.
Nesse momento, a plataforma extensível atingiu sua posição final com um estalo mecânico de encaixe. Nussaza considerou-se "salva pelo gongo", no sentido de que o ruído interrompeu Nobur, que de outra forma poderia discorrer indefinidamente sobre fenômenos atmosféricos, vulcanismo, regulação biosférica e sabe-se lá mais o quê característicos de mundos com rotação travada no estilo de Taehstum. Surpreendentemente, porém, o Dr. Dehsmen não só parou de divagar, como miraculosamente quebrou sua fleuma habitual, disparando na direção da plataforma depois de balbuciar rapidamente um "Ah, vamos ver a vista!". Nussaza quase teve de correr para acompanhá-lo.
Na plataforma, o impacto da luz solar vermelha e do ar viciado foi em muito sobrepujado pelo de uma paisagem pouco convidativa, sombria a ponto de poder ser definida como lúgubre. A luz do dia de fato vinha apenas de um estreito arco de sol vermelho que se projetava acima de uma opressiva camada de nuvens escuras e véus de chuva junto ao horizonte. Acima deste, o céu se estendia num degradê perturbador de tons de escarlate, bonina e violeta até chegar num quase-negro, caminhando na direção do Lado da Noite Eterna. Na altura do zênite, as estrelas mais brilhantes já podiam ser vistas. Abaixo do horizonte, um mar negro e perturbadoramente calmo e silencioso se estendia em todas as direções. As únicas ondas visíveis, denunciadas apenas por pequenos reflexos avermelhados na água, pareciam ser resíduos da própria emersão da Esfera, minutos atrás. Coerente com o mar morto, o ar também parecia anormalmente parado, com apenas uma quase imperceptível brisa soprando, muito embora ali fosse mar aberto e Nussaza e Nobur estivessem a uma altura considerável, dezenas de metros acima da superfície do mar.
Aliás, como se o visual opressivo da paisagem não fosse suficiente, a angústia de Nussaza era intensificada pelo projeto da própria plataforma de observação. A plataforma era quase toda transparente - incluindo o chão - justamente para possibilitar uma observação omnidirecional. Assim, olhando para baixo, o primeiro efeito colateral perturbador notado por Nussaza era o de enxergar seu próprio reflexo: uma mulher negra, alta, esguia (mas com curvas generosas reveladas e mesmo realçadas por seu traje de fluidopseudoderme), rosto bonito emoldurado por uma vistosa cabeleira de tranças finas que chegavam à sua cintura, e um cronobiotipo regulado para talvez uns vinte e poucos anos - como dizia Nussaza, velha o suficiente para parecer respeitável, mas nova o suficiente para ser atraente para a maioria dos gostos. Esse reflexo morfologicamente fiel estava, porém, virado de cabeça para baixo no piso transparente, dando a Nussaza a impressão de observar uma cópia de si mesma pendurada pelos pés por sobre um abismo. Uma cópia fantasmagórica, a propósito, já que o reflexo sobre material transparente era diáfano e (devido à luz sanguínea daquele sol) brilhava em vermelho. O segundo efeito colateral perturbador causado pela plataforma era a intensificação de sensações acrofóbicas. Nussaza realmente não se sentia bem vendo a curvatura da imensa Esfera descendo quase na vertical a partir do nível da plataforma, como se fosse um penhasco metálico a beira mar, com ondas relativamente suaves (mas ainda assim de alguma forma ameaçadoras) batendo e espumando láaaaaaa embaixo. Era quase caso de se pensar que aquilo era alguma brincadeira de mau gosto, uma espécie de sadismo arquitetônico, dos projetistas da Esfera.
Ou talvez eles fossem como Nobur, que parecia completamente indiferente ao panorama lúgubre e às alturas. Na verdade, ele continuava eufórico de uma forma quase infantil. Um tanto teatralmente, ele abriu os braços para indicar o mundo ao redor e declarou de uma forma pomposa que beirava (ou talvez ultrapassava) o ridículo:
- Contemple, minha cara Profa. Arieve! O Planeta Taehstum!
- Que é mais conhecido por Planeta Nahrtag, ou mais precisamente Nartagshtaain, na língua de seus mais notórios habitantes. E por falar nesses mais notórios habitantes, este mundo é muito mais conhecido pelo Hiperplano afora pela alcunha popular de... - Nussaza desceu sua voz para um tom bem mais sombrio - ... Planeta dos Vampiros.
Nobur voltou-se para Nussaza com uma expressão sutilmente irritada, e comentou:
- Eu realmente penso que essa expressão vulgar é inapropriada. Os Hematófagos de Taehstum não são vampiros sobrenaturais de lendas e superstições. São simplesmente uma meta-espécie artificial criada pelos Antípodas, as superinteligências do Outro Lado da Hiperesfera, quando de sua passagem pelo vizinho Aglomerado de Sihvinus, muitos séculos atrás. Assim sendo, os Hematófagos são explicáveis pelas leis da Biologia, Bionítica e afins... ainda que certos aspectos dos mesmos ainda sejam admitidamente inexplicáveis na prática para nós, como seria de se esperar de qualquer coisa envolvendo tecnologia Antípoda. Mas, enfim, não há nada de "sobrenatural" para ser visto aqui.
Nussaza suspirou e rebateu:
- Percebo que o senhor é mais uma vítima dessa tendência cultural que infelizmente se instalou na academia: a de ser tão "alérgica" a sobrenaturalismo que tem seu julgamento prejudicado em casos onde existe qualquer relação, por mais vaga que seja, com conceitos sobrenaturais, místicos ou religiosos. É exatamente o caso com os Vampiros - Nussaza frisou a palavra, como que num desafio - deste mundo. A propósito, antes de prosseguir creio ser de bom alvitre dissipar algumas generalizações indevidas. Por exemplo, a mitologia vampírica existe em incontáveis mundos, e é correspondentemente variada. Assim, enquanto em algumas mitologias os vampiros são descritos como entidades nitidamente sobrenaturais, completamente implausíveis para as leis naturais conhecidas e até para o bom senso, em outros eles parecem mais entidades biológicas razoavelmente possíveis. Por exemplo, em Leskaehccis as lendas descrevem vampiros como seres fantásticos que são cadáveres reanimados capazes de se transformar em animais alados e que fogem da imagem da Cruz Sextavada, um símbolo religioso local. Já em Chiahsien, as lendas sobre vampiros falam de pessoas com alterações biológicas extremas que só se alimentam de sangue humano, dormem de dia e ficam acordados a noite, e têm algumas capacidades realçadas em relação a Humanos Básicos, por exemplo supersentidos e, de certa forma, poderes mentais. Note que essa última descrição é desprovida de qualquer sobrenaturalismo e de fato poderia passar muito bem por uma descrição dos próprios Vampiros de Taehstum. Finalmente, é interessante notar que a palavra que os Vampiros usam para designar a si próprios em sua língua - Kehldun, plural Kelduhnen - significa literalmente "Vampiro" mesmo. É a mesma palavra que eles usam para se referir aos Vampiros lendários, ainda que nesse caso normalmente usem a expressão Keldunshfau, emendando uma palavra-sufixo que pode ser traduzida como "ficcional" ou "mitológico". Assim, considero essa expressão "Hematófagos de Taehstum" uma afetação acadêmica, e prefiro dar nome aos bois chamando os vampiros deste mundo de... Vampiros.
Nobur agora estava estranhamente quieto e com os olhos sutilmente arregalados, obviamente intimidado pelo contra-ataque acadêmico de Nussaza. A Profa. Arieve de fato estava satisfeita com o resultado, que era até previsível: embora o Dr. Dehsmen dominasse um volume de conhecimentos aparentemente infindo em ciências exatas e biológicas, Nussaza era decididamente superior em Humanidades e Línguas, exatamente onde ela foi buscar o ferramental para desmontar essa bobagem de "hematófagos".
Aquilo já estava se tornando uma pausa constrangedora na conversa, quando subitamente o olhar de Nobur tornou-se estranhamente vazio e desfocado, num claro indício de acesso à Nuvem. Foi uma imersão momentânea, porém; no instante seguinte o Dr. Dehsmen estava "de volta" e anunciou:
- A Comandante Ujoara acaba de informar que os nativos já fizeram contato. Uma delegação está vindo para cá, e estamos convidados a nos unir à comitiva que está se formando no Hangar 2 para encontrá-los. - Nobur fez uma pausa meio como se indeciso sobre se devia ou não prosseguir. Finalmente, acrescentou: - Interessantemente, é uma comitiva "multinacional" por assim dizer: primariamente ela está sendo enviada pela cidade flutuante mais próxima dos Empíreos, mas existem também representantes dos Leilsonehres...
- Ah! O Povo Ensolarado, os habitantes do Hemisfério do Dia Eterno!
- Exato. Mas, finalmente, e mais interessantemente ainda, receberemos também representantes dos Hema... Vampiros!
- Como assim, os próprios Vampiros? No lado diurno? Não, certamente não...
- De fato, não. Na verdade receberemos a visita de alguns espécimens de Nakis passiens.
- Lobisomens? Fascinante! - Nobur desta vez havia usado o nome oficial da espécie em Arcaico, correto e inambíguo, mas Nussaza não pôde resistir e de novo usou uma denominação mais popular, "lobisomem". Vendo o olhar de alarme contido do Dr. Dehsmen, porém, a Profa. Arieve amoleceu e acrescentou como que a título de desculpas: - É claro que "lobisomem" é admitidamente uma nomenclatura vulgar sem nenhum valor científico no caso. O lobisomem lendário é um humano que miraculosamente se transforma em um lobo, ou em algumas variantes um híbrido lupo-humano, em noites de lua cheia... ou luas cheias, existem variantes para mundos com mais de uma lua... ou mesmo para mundos sem lua. Nosso amado Ohjiren por exemplo não tem luas, mas existe uma não muito conhecida variação da lenda do lobisomem associando-o às "noites diurnas", na época do ano em que o sol secundário está posicionado em nosso céu noturno. Mas onde eu estava mesmo?
- Dizendo que não é correto chamar o Nakis passiens de "lobisomem".
- Ah, sim. Bom, o Nakis passiens, ou Canimórfico de Taehstum, não é um humano que por algum motivo astronômico se transforma temporariamente em uma criatura lupídea. Na verdade são uma espécie criada pelos Vampiros a partir de cães, que foram evoluídos artificialmente até se tornarem seres inteligentes, bípedes e destros.
- O que, incidentalmente, lhes dá uma aparência que alguns consideram vagamente humanóide - lembrou Nobur. - Pelas fotos e vídeos que já vi, considero a associação um tanto forçada, mas de qualquer forma talvez a origem do nome esteja mais aí que na lenda propriamente dita.
- Bom, qualquer que seja o motivo, é o nome que os Vampiros também escolheram. O nome para os Canimórficos em Vampírico é Urndshnem, o que é literalmente traduzido como "homens-lobo" mas poderia igualmente ser, é claro, "lobisomens". Mas, qualquer que seja o nome, os Canimórficos foram criados pelos Vampiros para auxiliá-los em várias tarefas, inclusive algumas que seriam um tanto... desafiadoras para eles.
- Por exemplo representá-los no lado diurno deste mundo? - Sugeriu Nobur com um leve sorriso. - Bom, vamos então conhecer esses "procuradores" dos Vampiros...
Notas do Autor
A idéia para escrever essa historinha desenvolveu-se aos poucos, e ao longo de anos. A primeira inspiração parece ter vindo de um sonho que tive acho que ainda na primeira metade da década, sonho esse que se passava em uma Terra onde vampiros governavam a Humanidade e eram de fato a espécie dominante do planeta. Ano passado, quando vi no 30 Dias de Noite os vampiros ficarem tão felizes com uma cidade além do círculo polar que fica um mês sem sol no inverno, pensei "será que eles não ficariam mais felizes ainda com um planeta onde um dos hemisférios ficasse permanentemente de noite?". Finalmente, este ano, numa das muitas discussões interessantíssimas que rolam na lista Sociedade Lunar, de que participo, saiu esse assunto de planetas com um lado eternamente de dia e outro eternamente de noite, e que tipos de espécies e civilizações poderiam se desenvolver neles, e até lembrei que isso já foi explorado pela ficção científica em um filme obscuro dos Anos 90, o White Dwarf.
Mas, até onde consegui me lembrar, o tema de um planeta assim com o lado escuro povoado por vampiros aparentemente nunca foi explorado. Outra coisa que aparentemente não foi explorada é a temática de vampiros em um mundo trans-humano e pós-mortal, onde as pessoas normais basicamente não envelhecem mais (ou melhor dizendo usam um grau de envelhecimento como quem usa, digamos, um corte de cabelo ou qualquer outro aspecto opcional da aparência) e onde a morte é, de certa forma, um inconveniente passageiro; como a condição vampírica seria vista num mundo onde a juventude eterna e a imortalidade seriam consideradas coisas “naturais” e para todos? A propósito, se adicionarmos pós-humanidade a mundo assim é razoavelmente fácil "explicar" a existência dos vampiros com uma suspenção da descrença bem passável...
Então, automaticamente fiquei morto de vontade de escrever uma historinha assim! O resultado é este "Planeta Sangue".
Por falar no título, o caminho até chegar no mesmo também não foi muito direto. Inicialmente pensei em chamar a historinha simplesmente de "Planeta dos Vampiros", mas descobri que existe um filme italiano de ficção científica dos anos 60 cujo título em Inglês é Planet of the Vampires! (Apesar do título, a historinha do filme é bem diferente da que imaginei para este livro, felizmente. E de qualquer forma o título em Inglês é bem diferente do "Terror no Espaço" que seria a tradução direta do título original.) Então fui pensar em outro título. Aí vi inspiração vindo de duas fontes diferentes. Em primeiro lugar, recentemente notei um padrão de coisas relacionadas a vampiros terem "sangue" (ainda que no Inglês blood) no título, como nos animês "Blood+" e Trinity Blood e na EXCELENTE série da HBO True Blood. Em segundo lugar, lembrei do filme que mais me marcou em 2007, o fantáaaaastico Planeta Terror. Logo, nada mais natural que batizar o livro de "Planeta Sangue"! :)
Uma vez decidida a premissa básica do planeta com lado permanentemente noturno povoado por vampiros (e que o tempero adicional de um futuro trans-humano), existiam premissas auxiliares nas quais eu deveria pensar? Sim, era necessário que o Planeta Sangue fosse parte de um universo ficcional maior com múltiplos mundos habitados, e que as pessoas de um mundo pudessem viajar para outro. Isso porque eu optei por contar a historinha pelos olhos de "forasteiros" para os quais o Planeta Sangue é quase tão novo e inusitado quanto o é (ou deveria ser, na minha expectativa otimista :) para o leitor - como já dá para ver acontecendo com Nobur e Nussaza, nesse capítulo. E para isso existem múltiplas soluções. Eu poderia por exemplo optar pela solução mais fácil de um universo de space opera (ou, porque não traduzir, "ópera espacial"), com naves com algum meio mágico de propulsão superluminal que viajam por entre mundos habitáveis a anos-luz de distância uns dos outros. Mas recentemente desenvolvi uma birra com a "ópera espacial" clássica por causa do que chamo de "viagem pseudo-espacial instantânea". Em um universo de space opera é muito comum as naves ditas "espaciais" na verdade só irem um pouco acima da atmosfera do mundo de partida e de lá se teleportarem magicamente para as imediações da atmosfera do mundo de chegada. Aí fica a questão: se a intenção é apenas ter um dispositivo ficcional que leve as pessoas de um mundo ao outro, porque não algo que leva diretamente da superfície de um mundo à superfície de outro - por exemplo aqueles portais de "Stargate"? Por falar em portais, eu até pensei em usar portais como os do A Árvore dos Mundos, mas no final decidi que não porque violações da conservação da matéria-energia sempre me deixaram bolados com aqueles portais. (Similarmente, portais a la Stargate implicam em violações de mais coisas ainda, como a causalidade, por implicarem em transmissão superluminal de informação.)
Oh, bem, mas não vou aborrecer muito o leitor com implicâncias de física real que provavelmente só têm importância para mim. Basta dizer que no final acabei por inventar um universo ficcional onde as pessoas viajam de um mundo para outro nessas misteriosas "Esferas", que desaparecem dum oceano do mundo de origem e reaparecem num oceano do mundo de destino. Muitos leitores provavelmente estão se perguntando algo como "Mas porque na água? Porque as esferas não aparecem do nada em pleno ar?". A resposta é que "vi" um meio da conservação da matéria-energia ser preservada localmente se o negócio acontecesse na água - mas, como prometi não aborrecer as pessoas com Física, vou deixar como "exercício para o leitor" descobrir o meu raciocínio. (Supondo é claro que ele faça algum sentido, e não há qualquer garantia disso. :) Ah, sim, e essas Esferas viajam só entre mundos situados em universos diferentes (ou, dizendo de outra forma, contínuos espaço-temporais diferentes, ou branas diferentes se eu começar a catar termos de Teoria das Cordas), o que efetivamente escuda aqueles problemas de existirem observadores enxergando violações da causalidade, que acontecem com os deslocamentos superluminais dentro de um mesmo universo. (Pelo mesmo motivo havia imaginado o lance dos portais conectando mundos de universos diferentes no "A Árvore dos Mundos".)
Aproveitando que mencionei Nussaza e Nobur dois parágrafos acima, acho que convém falar um pouquinho dos nomes e línguas do universo ficcional. Como devo ter deixado transparecer no Árvore dos Mundos, gosto de desenvolver minhas historinhas em futuros imensamente distantes, tão distantes que influências da nossa cultura foram ou totalmente perdidas ou então não podem mais ser identificadas no tempo histórico. Aqui no Planeta Sangue não é diferente. Isso porém pode ser bem desagradável para as pessoas que gostariam de ler historinhas com personagens chamados "João" e "Maria" e planetas chamados "Ibitipoca" e "Camboriú". Isso porque, ao longo de milhares de anos, os nomes vão inevitavelmente mudar para coisas bizarras e irreconhecíveis. (Algumas pessoas costumam apresentar contra-argumentos do tipo "ah, mas um nome igual 'Jesus' existe há dois mil anos do mesmo jeito", e eu tenho de destruir essa ilusão explicando que o nome original provavelmente era "Yeshua", que foi latinizado para "Iesus", até finalmente ser aportuguesado para Jesus. E devo estar perdendo ou supersimplificando mais umas transformações, não sou linguista.) De forma que eu não conseguiria suspender a minha própria descrença escrevendo historinhas de futuro distante com nomes tipo "João" e "Ibitipoca".
Na verdade acho que os leitores que não gostam de nomes estranhos estão reclamando de barriga cheia – os nomes inventados de ficção científica e fantasia são incrivelmente amigáveis comparados com os nomes do mundo real. Basta compilar uma lista de autores de algumas dezenas de livros e artigos de várias nacionalidades de todos os continentes para ver nomes que você sequer seria capaz de imaginar. ;-) Mesmo assim, dei uma colher de chá para os leitores que reclamam de "nomes esquisitos" aqui no Planeta Sangue. Todos os nomes “estranhos” de pessoas e lugares aparecendo no livro na verdade são anagramas – frequentemente só no nível das sílabas, e frequentemente com algumas alterações de ortografia - de nomes existentes em línguas existentes. Assim os nomes de Nobur, Nussaza e demais visitantes que chegam na Esfera são anagramas de nomes em Português. Os nomes do Arcaico, a língua morta que os personagens usam para fins científicos e às vezes para nomes “universais” independentes de língua (por exemplo, os nomes “oficiais” dos planetas), são anagramas de palavras em latim. Os nomes de origem Vampírica são anagramas de palavras em Alemão, e com uns rebuscamento ortográfico ocasional de vogal dobrada que peguei emprestado do Holandês. Finalmente, os nomes dos Leilsonehres, os habitantes do hemisfério diurno do Planeta Sangue, são anagramas de palavras em Francês.
Finalmente, ainda falando de Nobur e Nussaza, alguns talvez achem estranho os dois serem negros e podem suspeitar que estou tentando faturar com toda essa histeria coletiva de Obamania, ou então me curvando à correção política avassaladora e onipresente dos nossos tempos. :) Bom, na verdade os imaginei assim porque antes imaginei Ohjiren, o mundo natal dos dois, como um planeta ao redor de um sol branco (e aliás com um sol adicional fora de sua órbita, como mencionado de passagem neste capítulo) - ou, definindo com mais rigor, uma estrela da classe espectral F, mais forte e brilhante - e incidentalmente com mais radiação UV - que um sol amarelo classe G como o nosso. Com um sol desses, imagino que talvez pessoas de pele clara fossem bem suscetíveis a câncer de pele até nas latitudes médias de um mundo assim, e então imaginei-o povoado por raças de pele mais escura. A intenção, acho que é óbvio, é fazer um contraste com o Planeta Sangue, cujo sol anão vermelho Classe M, paupérrimo em UV, seria bastante amigável para pessoas louríssimas, platinadas ou mesmo albinas; além disso, imagina-se que os vampiros (que não apareceram ainda) não devem ser as pessoas mais bronzeadas do mundo. :)
Por falar nos vampiros ainda não terem aparecidos, o (por assim dizer) subtítulo deste livro fala de vampiros, lobisomens, mutantes, monstrons aliens e zumbis, e embora já se tenha falado diretamente sobre os dois primeiros neste primeiro capítulo os outros continuam uma incógnita. Bom, a bem da verdade “mutantes” é um abuso de linguagem, estou me referindo na verdade a pessoas com modificações genéticas e biológicas muitas vezes propositais; nesse sentido Nussaza e Nobur já são “mutantes” em relação a nós por terem total controle do processo de envelhecimento. Agora, quanto aos monstros aliens e zumbis... aí peço aos aficionados desses tipos de criaturas para terem fé e paciência, os bichos alienígenas e os mortos-vivos (ou algo parecido :) ainda vão aparecer. Aliás uma coisa que não mencionei é que o tal sonho de anos atrás mostrava uma Terra dominada por vampiros mas zumbis também eram importantes para a "trama"; e que um dos motivos que me animaram a escrever esta historinha foi a sinopse que li recentemente de um quadrinho (não lembro o nome de imediato e estou com preguiça de pesquisar) onde existe uma guerra entre vampiros e zumbis num futuro pós-apocalíptico...
Lucio,
ResponderExcluirTalvez te interesse ler as coisas do Vampire Temple, assim como o "Vampire or Gods?".
Abraco,
Hugo
Fala Omni!
ResponderExcluirTo gostando da nova iniciativa, bem bacana! Vou ler o capitulo 2 agora...
Soh uma observacao mega-nerd-picky: sua correlacao cor-de-pele/intensidade-UV (descrita nos comentarios do autor) eh baseada na premissa de que seres diferentes tambem precisam metabolizar vitamina D da mesma forma que nos, o que nao eh verdade nem mesmo em outros bichos aqui no nosso proprio planetinha (basta notar que camelos nao sao pretos e morcegos nao sao brancos, por exemplo). Uma epiderme um pouco mais grossa justificaria seres brancos em lugares com muita exposicao a UV, e seres com producao endogena de vitamina D (como quase todos os animais noturnos - e muitos diurnos - aqui na Terra) nao poderiam ser pretos como carvao mesmo em locais com sois fraquinhos. ;)
Abracao, e ateh a proxima,
Felipe, o Campelo
P.S.: To voltando de vez pra BH em Abril! :D
Errata: onde se le
ResponderExcluir"...nao poderiam ser pretos como carvao mesmo em locais com sois fraquinhos."
substitua por
"...poderiam talvez ser pretos como carvao, mesmo em locais com sois fraquinhos. "
Falous!